Minha amiga Mara não tem um, mas dois diplomas acadêmicos de boas universidades. Surpresinha: o único emprego que ela conseguiu foi como vendedora.
Sim, salário mínimo, mas pelo menos ela tá trabalhando, certo? E em uma grande marca, uma mega empresa reconhecida pela maioria da população. É um bom começo, né?
Talvez. Talvez não seja o começo que ela sonhou, mas pelo menos é um começo. Imagina o que espera ela no final?
Como é o trabalho da Mara? Suas vendas são monitoradas ao microssegundo. Ela é observada por câmeras, microfones, números. Ouvem cada palavra dela, capturam cada movimento, observam como um animalzinho em laboratório, ou um prisioneiro, ou ambos. Ela coloca um fone de ouvido que grita ordens programadas, regurgitando informações de como ela deve agir de forma automatizada, comparando ela com os seus "colegas" em cada segundo por cada uma das centenas de peças à venda. Ela aprendeu técnicas de influência e manipulação para utilizar em possíveis clientes, ou melhor, consumidores. Técnicas muitos próximas de uma guerra psicológica, talvez sejam as mesmas, aliás. Ela não percebe, mas é como se tivessem implantando nela um sistema que cita diariamente o quanto ela é falha, e o quanto ela deve "melhorar".
O chefe da Mara senta lá atrás. Ele monitora todos as dez, vinte ou trinta pessoas que trabalham nas vendas. Meia dúzia de câmeras, meia dúzia de relatórios, números piscando a todo momento. Colado naquilo como um zumbi. Mastigando de boca aberta, trancado em seu fone de ouvido. Um piloto, pilotado um grupo de humanos, vendendo sob pressão produtos descartáveis e massificados como se fossem iates de luxo através de terrorismo programável, como zumbis (eu já disse?) para outros zumbis (essa é nova) que parecem dopados como se atingidos pela onda de choque de uma bomba feita especialmente para eles.
É batata. A cena parece um sanatório de segurança máxima tirada de um sci-fi-sadomasoquista. Ela já começa a sentir-se louca, paranóica, depressiva, desiludida, imagina daqui uns anos? Nenhum ser humano consegue aguentar tamanho abuso sistemático.
Consegue perceber tudo que a tecnologia e burocracia desenvolvida ao longo de anos não pede que ela faça? Aprender. Pensar. Refletir. Educar. Inspirar. Liderar. Conectar. Imaginar. Criar. Crescer. Sonhar. E, bem dizer, não pede nem para servir os clientes. Apenas bate na cabeça dela diariamente, a cada segundo possível, com o quanto ela ainda não vendeu, o quanto ela ainda não fez, pela sua comissão de 0.000003%, de acordo com a cota criada pelo seu chefe, para o chefe dele, para os chefes deles, e assim até chegar no topo da cadeia alimentar.
Entende? O trabalho da Mara não beneficia clientes. Não serve para educar, entender, ouvir ou mesmo conversar com eles. Não serve para que eles não gastem com o que não querem ou para ajudar eles a achar o que precisam, comprarem a coisa certa. Não. Apenas empurra mais e mais e mais coisas desnecessárias para eles, de forma mais rápida, mais maliciosa e mais estúpida do que qualquer pessoa pensaria ser humanamente possível, usando tecnologia militar avançada e técnicas programadas para o abuso para que ela continue nesse terror psicológico nela e em seus clientes. E eles são apenas consumidores, burros, números, dinheiro, como gritado por um robô.
É isso o melhor que a gente pode fazer? Pegar todo o aprendizado criado até hoje e utilizar para... lucro? Transformar uma mulher inteligente em uma arma de superfaturamento do consumo em massa? Em um "robô meio doente programado para ser idiota"? Para que pessoas ainda mais idiotas consigam ficar ainda mais ricas jogando carregamentos e mais carregamentos de coisas inúteis em pessoas que ficam cada vez mais pobres pagando juros de 4000% ao ano, expostas a lavagem cerebral diária para que comprem cada vez mais?
A economia não faz mais nada de útil, isso você provavelmente já percebeu.
Sabe o que ela faz?
Idiotas!
O grande empreendedorismo do século é esse: a indústria de idiotas.
E isso não é apenas uma tragédia, é um crime moral. Destrói o potencial humano da mesma forma que se faz ao prender um inocente e jogar a chave fora.
Lembre-se da Mara. Quem conseguiu criar um sistema tão desumano? De quem foi a ideia de criar uma "loja" como essa? Afinal, qual seria o melhor nome para chamar isso? Convenhamos, "loja" não é.
Somente um monstro demoníaco vampiresco conseguiria elaborar um sistema tão sujo que sugasse todos dessa forma. Clientes, gerentes, trabalhadores, todos.
Uma mecânica desenhada para rodar através da miséria humana, da crueldade, tudo isso para ganhar alguns trocados vendendo a sua dignidade, inteligência, criatividade, compromisso, justiça, engenharia, serviço, fraternidade e... sua sanidade!
É a indústria de idiotas.
O que acontece com a Mara quando ela faz o seu trabalho? Pense um segundo. Ela se torna no tipo de idiota sem coração que as criaturas que inventaram esse sistema são. Não porque ela quer, mas porque ela "precisa".
Por isso que foi criado, para transformar no mesmo tipo de idiota que os idiotas que criaram, gerenciam e se beneficiam querem que todos sejam.
Nosso mundo agora está repleto de indústrias de idiotas. São lojas, prédios comerciais, parques industriais, torres, arranha-céus, shopping centers, escritórios, campus acadêmicos, universidades...
É o grande empreendimento atual. Não fazemos mais coisas, nós fazemos idiotas.
Já percebeu que ultimamente as pessoas tem se tornado cada vez mais, bem, idiotas? Cada lugar que você vai parece que tem mais gente maliciosa, sedenta, burra, raivosa, bruta, que antes?
É o último lucro de uma grande indústria quebrada, vazia e drenada.
A era da estagnação não ganha mais com grandes ideais inovadoras, invenções e soluções, mas de criar cada vez mais idiotas.
A loja franquiada, o shopping center, o hiper mercado. A corporação, a firma, a associação. Faculdades, especializações, pós-graduações, mestrados, doutorados. A sala de diretores, a sala de gerentes, a sala de reuniões, a sala de funcionários, o chão de fábrica.
São todos grandes fazedores de idiotas. Não fazem pessoas capazes de grandes coisas que criam, constróem e melhoram. Fazem idiotas.
São desenhadas para nos desinfetar de uma suposta fragilidade. De nos limpar de nossas falhas, nossas fraquezas, e junto delas, nosso amor, graça, piedade, paixão, verdade, nobreza, sonhos. O objetivo é tirar tudo, erradicar, apagar. Substituir por cálculo, preocupação, fome, crueldade, ansiedade, desespero. Usando a tecnologia mais avançada para subjugar, oprimir e transformar todos em pequenos torturadores de si mesmo.
E fazendo isso eles nos esterilizam emocionamente. Traumatizam fisicamente. Castram intelectualmente. Neutralizam socialmente. Eles nos tiram de nossa grandeza. Nos transformam em idiotas.
Nos depravam para que depravemos a todos os outros das vidas que poderiamos ter.
Não apenas nos tiraram o dinheiro, educação, nos tiraram algo muito mais valioso, algo sem preço: a nossa vida! E nesse limbo entre o que somos e o que queriamos ser é que os idiotas colocaram uma copia deles mesmos.
Não será por isso que a sociedade parece presa, parada? Que a economia parece caminhar sempre para o buraco? Que a vida dos que tem menos que alguns milhões na conta, parece não ter valor algum, não ter sentido?
Lembra da Mara? Ela, nesse segundo, está ouvindo os gritos de um robô treinado como torturadores em uma prisão de guerra.
E vai continuar ouvindo até que ela se torne perfeita, pura, sem falhas, outra idiota novinha em folha, saindo brilhante da fábrica de idiotas.
Somos construtivistas obedientes. Pragmáticos. Racionalistas.
E você provavelmente quer saber: então o que podemos fazer para mudar?
É simples.
Não seja um idiota.
Eis um segredo: a indústria de idiotas produz milhões de idiotas, então se você decidir ser mais um deles tenha certeza que se tornará apenas mais uma peça cambiável, esquecível, depreciável, algo totalmente sem valor.
E você ainda quer ser?
Seja você mesmo, quem você deve ser. Acredite em céu ou inferno, liberdade ou destino, tanto faz, o fato é o seguinte: todos nós fomos colocados nesse mundo para ser algo maior que apenas mais um idiota que rouba centavos do vizinho para entregar para outros idiotas um pouquinho mais aproveitadores que nós.
Repito.
Não seja um idiota! Seja você mesmo. Seja o milagre que você deve ser. Uma pessoa apaixonada, feliz, realizada, que leva a frente tudo que há de grande, nobre e verdadeiro no mundo, e assim, com amor e inteligência, levanta toda vida que conhece em luz.
Comentários
Postar um comentário