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Fadiga compassional.



A tarefa de um entusiasta ou profissional daqueles que ajudam outros é, antes de tudo, se dedicar às necessidades emocionais e físicas de clientes, pacientes e amigos. É uma experiência de alto retorno e o contato diário com pessoas é o que mantém o amor pelo trabalho. É um trabalho de especialização diferente de todas as outras profissões. Porém, esse chamado tão maravilhoso pode traduzir-se assim: ambientes altamente estressantes, casos pesados e recursos gastos, cinismo e negatividade de colegas, baixa satisfação geral e, para alguns, risco de ser atacado física ou emocionalmente.

A Fatiga compassional é o preço a ser pago pela atenção entregue à outros. É caracterizada por exaustão emocional e física, uma notável diferença no tratamento e na empatia com pacientes, pessoas próximas, familiares, amigos. O cinismo aumenta, perde-se o prazer na carreira, pode-se até transformar em depressão, estresse traumático e outros problemas. O maior problema é que a fatiga compassional ataca justamente o que levou a pessoa à trabalhar: a empatia e compaixão por outros.

À quem ataca?

Costuma ser um problema ocupacional, o que significa que aqueles que dedicam-se aos outros eventualmente sentirão algum efeito disto. Um estudo canadense (NSWHN, 2005) apontou que um quinto das enfermeiras sentem-se diretamente afetadas pelo trabalho. Entre as entrevistadas, 50% havia tirado férias no ano anterior por motivos diretamente atrelados à isso, e 10% se afastou por motivos de saúde mental. Oito em cada dez enfermeiras haviam buscado algum tipo de ajuda, o que seria duas vezes maior que outros tipos de trabalho. Estas mesmas enfermeiras reportavam sentirem estar expostas a muito violência em ambiente de trabalho.

Outro estudo canadense (ONA, 2006) apontou que 50% dos oncologistas pensaram em largar a profissão por altos níveis de estresse, e um terço dos profissionais do tratamento de câncer apresentavam níveis altos de exaustão emocional e níveis baixos de realização profissional. Os mesmos números tendem a surgir em profissionais que trabalham com proteção infantil, segurança pública, guardas (Figley, 2006).

Sinais e sintomas

Cada um apresenta seus sinais aviso que indicam que estão chegando em uma zona de perigo, eis uma lista de possibilidades:

Exaustão.
Redução na habilidade de simpatia e empatia.
Raiva e irritabilidade.
Aumento do uso de drogas.
Ansiedade no trabalho.
Menor realização profissional.
Medos irracionais.
Disrupção da visão de mundo.
Dissociação de imagem.
Hipersensibilidade ou insensibilidade.
Dificuldade em separar vida pessoal e profissional.
Muitas faltas ou vontade de não ir trabalhar.
Dificuldade em decidir ou tomar conta das coisas.
Retrocesso em intimidade em relacionamentos.

Aprender a reconhecer os sintomas de fadiga compassional pode servir para ajudar aquelas pessoas que se dedicam a ajudar os outros, identificar aqueles que estão infelizes e insatisfeitos mas que não conseguem expor e explicar o que está acontecendo, além de mostrar para eles os sinais permitindo que eles mesmos percebam.

Digamos que o profissional aprende a identificar seus sintomas em uma escala de 1 à 10, e consigam perceber quando estão em quais níveis, por exemplo, "ao acordar, estou em 5, mas logo no fim da tarde já estou em 10 e não aguento mais".

Ou, "quando acordo já estou em oito e busco motivos para não ir trabalhar". Reconhecer é o primeiro passo para sair dessa rotina de forma efetiva.

Fatores que contribuem.

A fadiga emocional é contínua. Ela precisa ser trabalhada, mas tende a volta pois é o desgaste natural de suas funçõe biológicas. Algumas vezes estamos mais imunes, outras estamos mais abertos aos fatores externos. Se analisarmos um grupo de trabalhadores, veremos que alguns estarão tranquilos e realizados, outros sentirão alguns sintomas, outros estão pensando em demissão. Os fatores que contribuem para isso estão na mistura entre as circunstâncias pessoais e profissionais.

Como está a sua vida agora?

Sua história, seus estilos, sua personalidade, tudo isso afeta em como a fadiga emocional atinge você. Além do trabalho ser desafiador, sua vida entrega estressores diariamente para que você lide. É muito comum hoje em dia, por exemplo, que além do trabalho as pessoas tenham que cuidar em casa de seus filhos e também de seus pais. Por mais que você estude sobre saúde mental, não estará imune à dor da vida, aliás, alguns estudos mostram que os profissionais podem inclusive estar mais vulneráveis às mudanças como o divórcio.

Situações de trabalho.

Quem está no ápice da fatiga dirá algo do tipo "não tenho nenhum problema com meus pacientes, na verdade, adoro trabalhar, mas é o entorno do trabalho que me atrapalha". Nem sempre clientes e suas histórias são o que estressam o terapeuta, é também a papelada, algum imposto, rotinas de registros, seus colegas competidores. Terapeutas convivem com pessoas que precisam de atenção total e plena, e frequentemente trabalham com pessoas que realmente carecem e cobram isso. O ambiente de trabalho pode se tornar estressante e negativo.

O que pode ser feito para evitar?

É preciso reconhecer os sinais e intervir! Há estratégias e soluções.

Estratégias organizacionais.

Há coisas rápidas e efetivas para que você implemente uma forma de proteger-se da fadiga compassional. Primeiro, discuta abertamente e reconheça sua fadiga no trabalho, um profissional pode ajudar outro. Também é necessário desenvolver um ambiente que propicie o desvelar dela e o suporte do fatigado. Faça pequenas pausas, tire um dia para distração, converse, mude a rotina de trabalho, junte grupos de funcionários para conversarem sobre o que pode mudar, ou mesmo, diminua sua carga de trabalho e utilize o tempo livre para novas atividades.

Estratégias pessoais.

Aumente sua atenção para si mesmo. Parece óbvio, mas a maioria não faz e deixa-se sempre por último. Nunca tira um tempo para se distrair, não liga para os próprios sentimentos. Exercite-se, medite, conheça algo novo. Você precisa, antes de ajudar os outros, ajudar a si mesmo. Há balanceamento entre sua profissão e sua vida? Você apenas pensa em chegar em casa e desligar? Você está bebendo, comendo demais? Está comprando demais? Brigando demais? É preciso olhar para si e reconhecer, se você é um profissional da saúde mental, sua casa deve refletir isso.

Desenvolver um método de prevenção.

Reflita sobre sua vida e sobre seus desafios profissionais. É um processo individual.

Pergunte-se:
Quais são os meus sinais de fatiga?
Quantas vezes por semana devo parar um pouco e dedicar-me ao bem estar?
O que preciso controlar?
O que não preciso controlar?
O que gosto de fazer?
O que funciona para me desestressar?
Como posso me tornar mais resiliente e relaxado?


Mas e se isso não for suficiente?

A fatiga compassional pode levar para problemas sérios como depressão, ansiedade e mesmo pensamentos suicidas. Se isso acontecer, busque ajuda. Fale com amigos e outros profissionais. Além dos métodos simples como o supracitado, há modalidades de terapia disponíveis para você. É necessário equilibrar trabalho e vida pessoal, e às vezes precisamos de uma visão externa para nos ajudar. Não exponha se tanto ao trabalho e nem ao trauma. Há livros de Charles Figley, Beth Stamm e Saak Vine com muita informação sobre isso que valem a pena dedicar sua atenção. Quando buscar um terapeuta, deixe claro suas intenções e necessidades.

Alguém perto de mim parece estar sofrendo de fadiga compassional.

A melhor estratégia para isso está justamente no que por essa pessoa foi gasto, a compaixão! Alguns estudos nessa área apontam que o fatigado tende a se culpar por estar assim, então ajude-o. Eles receberam uma mensagem deturpada da condição, algo como "a culpa é sua por não se dedicar tanto", por isso essa condição tende a se agravar silenciosamente, na tentativa de ser ignorada. Seja carinhoso e dê suporte, mas comece de forma leve e tranquila, pode ser difícil se aproximar para resolver aquilo que o outro tenta esconder. Tente falar sobre os efeitos mais do que as causas.

Conclusão.

A fatiga compassional é desenvolvida gradualmente, é um processo cumulativo e, portanto, sua cura também é. Algumas pessoas conseguem se recuperar tirando apenas um dia de descanso, ou recebendo uma massagem, mas a maioria precisa fazer mudanças de vida e colocar a própria saúde em primeiro lugar.

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