Pular para o conteúdo principal

Eleições custam caro, né?

Provavelmente a quantia gasta entre todos os candidatos de uma eleição ultrapasse o bilhão. E nós temos uma dessas a cada dois anos.

Interessante. Uma quantia significativa gasta para concorrer ao pódio de coordenador das benfeitorias. Uma soma que provavelmente poderia abrigar e alimentar toda a nação durante pelo menos boa parte desse intervalo de tempo entre um evento e outro.

Talvez fosse o caso de simplesmente pensar que esse dinheiro poderia ser melhor gasto já que a finalidade é o bem de todos. Se fosse.

Carnaval, futebol... A eleição é certamente o evento mais caro e mais importante basicamente graças ao que ela promete fazer, acabar com dívidas, diminuir crimes, desemprego, estabilizar a sociedade.

Sinceramente. Pouco ligo se é esquerda ou direita. O que me gera mais dúvida é a própria idéia de que isso que vivemos, dita democracia, é realmente a opção para criar bem estar e satisfação. Afinal, é vista universalmente como a filosofia prática de mais alto escalão de gerenciamento da sociedade.

De repente, em vez de discutir se tiramos esse presidente e colocamos aquele, ou quem será o próximo, porque não damos um passo atrás e consideramos uma questão um pouco mais ampla e realista. Por que precisamos de um presidente?

Convenha, qual a diferença efetiva de um presidente para um senhor feudal? Um é eleito? Qual? Essa concepção de que ovelhas precisam de pastor parecem tão dissonantes quando o assunto é religião, mas quando os olhos se viram para a política de repente vira dogma.

É incongruente pensar que tempos de reis e ditadores passou quando se decide quem será seu mandante com enorme poder durante um certo período de tempo até que acabe, não, até que outro tome seu lugar.

No mínimo... Veja bem, no mínimo, você precisa assumir que esse conceito de democracia é nula quando as verdadeiras decisões importantes são tomadas pelos eleitos sem a menor relevância dos eleitores.

Como se já não fosse descarado o fato de que os eleitos não tenham a menor responsabilidade legal de cumprir aquilo que prometeram. Aliás, de novo um mergulho raso na história nos mostra que o bem estar público na absoluta maioria das vezes foi secundário aos interesses financeiros e aos negócios das elites. Elites, aqueles que foram eleitos.

É claro que isso é de conhecimento do público, né?

Afinal, não fosse por isso, qual seria o motivo da comum prática estatal de salvar preferencialmente o sistema bancário (um sistema que nunca soube produzir absolutamente nada que não seja especulação) frente a colapsos econômicos, inundando a população em dívidas privadas para que os magnatas não precisem vender suas coleções de arte clássica, carros exóticos e ilhas privadas.

Se vamos persistir nesse estúpido jogo inventado chamado "crescimento econômico", onde consumo e movimentação de dinheiro define tudo, é uma boa ideia fazermos as contas sobre o que realmente é capaz de ajudar esse sistema a operar em um nível minimamente aceitável para todos.

E sabe o que acontece quando colocamos as cartas na mesa? Percebemos que as decisões de fato nunca têm nem terão a ver com o bem geral. Vivemos em uma plutocracia, não uma democracia. O verdadeiro poder está de fato atrás das cortinas, não no palco. O poder financeiro não tenta apenas controlar o país, mas o planeta.

Não se preocupe, não é uma difamada teoria da conspiração. É a realização de que temos um sistema de valores deturpado. Enquanto um cifrão estiver atrelado a cada centímetro de terra, cada pensamento, ideia ou invenção, cada julgamento de méritos em uma economia de empregos, não podemos esperar menos.

Este Estado, como conhecemos, de fato nasceu basicamente de uma visão de mundo em que o dinheiro seria o norte de toda decisão humana. Assim somos injetados em um meio persuasivo, elegendo donos, que têm seus donos, para pensarem por nós.

E afinal, de onde vem essas criaturas? Afinal, como elas surgem de repente na nossa televisão? Como que, de uma hora para outra, elas tem crédito e reconhecimento via repetitiva exposição?

Demo-kratos seria a poder da lei vindo do povo, uma sociedade que expressa suas opiniões através de discussão e decisão da maioria.

Mas engraçado como o cinismo permeia essa ideia partindo de um pressuposto de que todos sabem o que fazem. A democracia não pode funcionar sem que os que dela participam estejam preparados para tal. A base da democracia, portanto, é educação.

Lindo. Claro, muito lindo. Mas o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com qualquer eleitor. Como disse George Carlin (provavelmente copiando, como faço, de alguém), se votar mudasse algo seria proibido. Interessante também como nesse sentido, se a maioria escolhe um ditador, a ditadura é democrática.

Enfim. Façamos um exercício de imaginação. Imagina-se sendo parte da classe dominante, aquela capaz de investir no páreo eleitoral, e eu e você chegássemos a conclusão de que deveríamos proteger nossos interesses compartilhados, o interesse em nos mantermos na dominância, contra qualquer interferência externa. O que nós poderíamos fazer?

Não é difícil, né? Vamos expandir nossa visão.

Primeiro, vamos garantir que o público em geral esteja o mais mal informado quanto conseguirmos sobre as questões que podem vir a contradizer as práticas culturais que eu e você estabelecemos como concretas. Talvez a melhor forma para isso seja tentar eliminar qualquer forma de pensamento independente, racional, lógico, causal, científico. Quem sabe a gente não aproveita e usa uma parte da nossa verba para investir no aparelhamento de um sistema falho e vencido, que seja público e garanta a força motriz da economia que nos permitiu ser tudo o que somos hoje. Criamos um sistema de educação focado em empregos.

Bom. Será que só isso vai garantir? Que tal se complementarmos com alguma espécie de prática aparentemente isolada da rotina mas que no âmago seja focada em gerar crenças e valores baseados em obediência passiva, que feche os olhos com a inflexibilidade e irracionalidade dos olhos vendados de um cavalo de charrete. Peraí, parece que nós pensamos em algo que realmente nos ajudaria aqui, uma religião.

Conseguimos descobrir um jeito de não só transformar pessoas em seguidores cegos e obedientes como elas mesmas estão oferecendo essa doutrina de obediência a autoridade aos outros. Parece que o resultado saiu melhor que a encomenda.

Bom. Já temos a forma de controlar um por um e criamos as possibilidades de controlar vários ao mesmo tempo. Com isso nós desbloqueamos uma conquista, um pequeno conhecimento que diferencia o animal do homem, o comportamento de rebanho. O animal é capaz de enlouquecer em grupos e apenas volta a sanidade em sua individualidade. Tumultos, mobilizações, movimentos culturais, times esportivos, preferência de estilos, é isso! Podemos separar eles ainda mais e fazer com que, mesmo os que concordam em uma coisa, discordem em outra e assim sempre estejam uns contra os outros em constante desconfiança do seu pertencimento ao coletivo. Vamos patrocinar isso constantemente, deixe que briguem, deixe que se matem, deixe que se martirizem pelas bobagens que inventamos, eles vão adorar!

Ok. Passaram-se uns dias que descobrimos algumas coisas.

Já descobrimos que podemos servir os assuntos que permearão suas vidas, mas há uma coisa ainda mais interessante. Ao mostrar sobre o que eles devem discutir também mostramos como eles devem discutir e aqueles que tentaram fazer algo de diferente começaram a ser ostracizados e afastados do grupo. Aqueles que tentaram levantar questões diferentes do que o grupo estava sendo alimentado foram jogados para fora do rebanho e morrer isolados, sozinhos, afastados.

Ah, que jeito fantástico de controlar o ser, passamos por tudo isso para descobrir o simples: para controlar basta criarmos medo! Medo! É tão simples! Medos que sejam alimentados rotineiramente, como o medo de ser rejeitado por questionar tabus.

Simples, fantástico, maravilhoso, nós nunca tivemos tanto poder quanto agora, bastou uma tentativas, outros investimentos... Ah, investimento. Tínhamos começado a falar sobre isso com o nosso investimento inicial do líder. Conseguimos muita coisa, mas ainda corremos o risco de que as pessoas tomem uma curva errada e não coloquem quem nós queremos no poder, isso nos causaria problemas certamente. Então precisamos pensar em algumas proteções fundamentais. Precisamos dar um jeito de que os candidatos indesejados fiquem longe dessa possibilidade. Hm, espera aí, sabemos que as pessoas tem medo de ser marginalizadas. Que tal se tratarmos aqueles candidatos como aberrações, não teríamos ainda mais chances das pessoas não queiram nem falar em seus nomes?

Creio que sim. Como faremos isso? Bom, temos dinheiro. Precisamos garantir que o uso do dinheiro na política não tenha restrições. Que tal se garantirmos financiamento ilimitado para aqueles candidatos que estão conosco? Damos um jeito de atrelar o gasto de dinheiro com uma espécie de liberdade de expressão, assim quanto mais alguém quiser se expressar mais dinheiro vai precisar ter, e para ter mais recursos precisará de nós. Perfeito.

Peraí, um ponto a mais. Vamos garantir que aquele político se eleito não seja um ser humano mas um fantoche nosso. Genial, legalizamos esses pagamentos com um nome mais bonito, que tal 'doação', assim compramos ele como um verdadeiro boneco publicitário capaz de promover o que quisermos, quanto quisermos, quando quisermos.

Mas sei lá, ainda acho que podemos ir além. Somos concretos, se temos o menor dos riscos sabemos que ainda é risco e precisamos eliminar, esse é o nosso medo. Bom, nosso problema ainda é a eleição. Que tal se... Hm... Que tal se nós realmente formassemos toda eleição? Parece complicado, mas pense bem, é preciso apenas um controle básico, de fato, nós até podemos deixar que as pessoas decidam, nós apenas forjamos as opções. Criamos uma falsa polarização, alimentamos como uma novelinha que mascare o viés elitista. Ei, sabe o que é melhor, que além de termos as duas mais populares opções, por tabela reprimimos os partidos menores que não tem a nossa verba! De repente até damos uns trocados para eles não reclamarem tanto.

Precisamos de uma vigilância ainda. Precisamos fazer com que o público se acostume com a ideia desses dois partidos como sendo os principais sem perceber que o processo eleitoral é falso e que é controlado por esse negócio que nós chamamos de livre mercado, sabe, a liberdade de manipular tudo com dinheiro.

Podemos ainda colocar umas cerejinhas no bolo. Vamos investir em organizações fora do espectro partidário mas que precisam de dinheiro, elas também influenciam a sociedade e influenciam nas decisões de quem vai participar em terceiro plano das eleições. É melhor prevenir.

Criamos nosso sistema. E eles estão reclamando de suas taxas financeiras que levam ao prejuízo. Imagina se soubesse os princípios econômicos que fundamentam todo esse sistema que nos tornou dominantes. Imagina se descobrissem como imprimimos dinheiro através de dívidas e cobramos juros de algo que nunca existiu. Vamos distribuir quantos prêmios forem necessários para que nunca assimilem a ideia de que sempre haverá mais dívida que dinheiro para pagar. Que as dívidas são contraídas para pagar as outra dívidas que foram feitas para pagar as outras outras dívidas até que o fracasso e a falëncias sejam inevitáveis. Prorrogados, podemos deixar que eles prorrogam até quando sua coragem e criatividade forem capazes, mas nunca inevitáveis. Bom, damos aos mais competitivos um gostinho de serem como nós, deixamos que eles ganhem dinheiro através dos juros dos empréstimos que darão aos mais desprovidos. Deixe-os que acreditem que fazem algo de útil ao deixarem suas verbas estocadas, assim criam mais diferença entre as classes, mais concentração financeira e mais ovelhas para nosso rebanho.

Quer saber. Já estamos fazendo isso há um tempo e podemos admitir, nenhuma estratégia saiu de modo, certo? A boa e velha fraude eleitoral, amigos corporativos, máquinas de votar que não precisam nem estar ligadas a nada, podemos colocar elas em qualquer lugar.

Parece banal, mas funciona. Podemos até conectar elas, podemos até deixar elas expostas sem proteção, as pessoas estão tão presas no dia a dia que inventamos que sequer vão prestar atenção nisso, lembre-se, questionar é correr perigo de ser afastado! Eles não querem baixar ainda mais seus padrões de vida, perder suas migalhas de empregos.

Então recapitulando. Livres pensadores reconhecem as necessidades da sociedade, então vamos limitar a educação para que apoie nosso sistema tradicional de ensino.

Estabelecemos claros limites aos debates culturais e garantimos que quem pense diferente seja ridicularizado.

Reforçamos o comportamento de bando através de mídia e moda.

Garantimos a liberdade de fazermos o que quisermos com dinheiro.

Criamos a ilusão de competição e escolha onde todos estão conosco.

Se ainda assim não der certo, "reorganizamos" a contagem dos votos.

Chegamos ao fim de nosso exercício de imaginação. Nossa, eu já estava acreditando que isso era real. Eu estava realmente achando que era possível alguém ser de uma classe dominante e manipular interesses, recursos e processos.

Será que é possível? Será que engravatados se reúnem em salas escuras a meia luz da fumaça de charutos pensando sobre isso e discutindo como manter tudo como está?

Na verdade, não. Não dessa forma como imaginamos. Na realidade a corrupção está tão embrenhada no sistema e esse processo de manipulação é tão autogerado, justificado em cada um dos passos que ele simplesmente não acontece em bastidores, em reuniões fechadas e encontros secretos, em docas ou garagens.

O poder real da corrupção reside em como eu e você toleramos, perpetuamos e apoiamos esse sistema criado para oprimir.

E a maioria interpreta essa farsa como uma democracia em consolidação, um sistema que precisa de melhor regulamentação. Como se a falta fosse apenas de uma melhor regulamentação monetária e corporativista, assim poderíamos consertar o mundo. Não. É difícil admitir mas a própria premissa econômica precisa mudar. Desequilíbrio, escassez, juros, exploração, competição. Até que isso seja alterado até que o sistema reforçe e recompense a colaboração, equilíbrio, eficiência e sustentabilidade, nada irá mudar.

Nossa condição social é a de basear-se em vantagens sob os outros. O que chamamos corrupção hoje não é corrupção, afinal, são apenas negócios! Sério, o que você esperava? Numa economia onde tudo está a venda e a noção de trabalhar juntos de forma inteligente para beneficiar todos é completamente surrealista nenhum nível de corrupção deveria surpreender.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Considerando a Hipótese de Descartabilidade Masculina"

escrito por  Maria Kouloglou Em sua análise “Mulheres e Genocídio em Ruanda”, o ex-político ruandês Aloysia Inyumba declarou que “o genocídio em Ruanda é uma tragédia de longo alcance que tem afetado particularmente as mulheres.  Elas agora compreendem 70% da população, já que o genocídio exterminou principalmente a população masculina ”. Em um  discurso de  1998  proferido antes de uma conferência sobre violência doméstica em El Salvador, a ex-senadora e secretária de Estado Hillary Clinton disse que “as mulheres sempre foram as principais vítimas da guerra.  As mulheres perdem seus maridos, seus pais e seus filhos em combate ”. Estas declarações são ilustrativas de uma tendência mais ampla de “descartabilidade masculina”. O que é a descartabilidade masculina? A “descartabilidade masculina” descreve a tendência de se preocupar menos com a segurança e o bem-estar dos homens do que das mulheres.  Esta noite parece surpreendente, dada...

A (in)segurança do TSE e a ligação das urnas SMARTMATIC e DIEBOLD .

As urnas da Smartmatic-Engetec não foram empregadas nas eleições das últimas décadas, esse é um engano popularizado na internet. Ao que consta no Diário Oficial da União do dia 23 do 12 de 2015, a PROCOMP-DIEBOLD foi ganhadora do processo licitatório , firmando contrato de 351 milhões de reais com o Estado Brasileiro através do TSE para o fornecimento de 150 mil urnas eletrônicas a serem construídas, incluindo aí o desenvolvimento do hardware e do software. Essa licitação foi feita enquanto a Lava Jato tomava impulso, no ano de 2015, e assinada pela então Diretora Geral do TSE Leda Marlene Bandeira, sob a então recente presidência do órgão por Dias Toffoli, visto aqui desviando do apontamento da entrevistadora Joice Hasselmann da utilização da empresa da Venezuelana , e aqui afirmando não ter dúvidas de que o sistema do TSE é mais seguro que as defesas da NASA e do Pentágono . Leda Marlene Bandeira, a então diretora do TSE, foi chefe de gabinete e secretária-geral do STF durante a pr...

Tradução: Robert Sapolsky, de Stanford, sobre a depressão nos EUA (palestra completa)

O professor de Stanford, Robert Sapolsky,  mergulha no aspecto biológico e psicológico da "doença mais prejudicial".  Abaixo está a transcrição completa. Vídeo do youtube: Robert Sapolsky - Neuroendocrinologista OK.  Existem todos os tipos de doenças interessantes e muitas delas são bastante exóticas.  Você tem  síndrome do homem elefante .  E você tem  Progeria  , que é uma doença onde você basicamente morre de velhice quando tem cerca de 10 anos de idade.  E então você tem canibais comendo cérebros e recebendo  doenças por  prions  .  E esses são muito empolgantes e são ótimos, e ótimos artigos sobre doenças e coisas assim. Oh não, ok, venha para a frente.  Há muito espaço aqui em cima.  Eu vejo mais alguns lugares aqui. Portanto, existem todos esses tipos de grandes feitos para doenças de filmes de TV lá fora.  Mas quando você quer chegar à carne básica e às batatas da miséria médica humana, n...