Pular para o conteúdo principal

A iniciação - Eduardo Alfonso (PT-BR)

Dr. Eduardo Alfonso

A Iniciação

Tradução livre, sem intento de substituição da original.

'La Iniciacion'
Quinta edição - 1979

A Iniciação

Iniciar é começar.

Um iniciado não é um homem perfeito, senão um que começou o caminho de uma disciplina de superação em qualquer aspecto da vida e se encontra mais ou menos avançado em seu caminho.

O caminho, sendero, tao, sinto..., tudo é o mesmo, expressa a rota esforçada e progressiva de ascenso espiritual.

É dizer, o homem iniciado deixou de ser um navio sem timão, ao jogo do mar inquieto formado pelas circunstâncias da vida, para ser um indivíduo que quer e saber onde vai. É o forjador consciente de seu Destino futuro, por meio de uma disciplina que governa as tendências de sua natureza egoísta ou pessoal.

Todo homem que cultiva um ideal é, em certo modo, um iniciado. E isso é verdadeiro até no aspecto mais burdamente materialista. Aquele que quer ser um bom boxeador se vê obrigado à seguir uma disciplina referente à alimentação, arranjo sexual, descanso, treinamento, controle dos costumes, repressão de certos vícios, etc., que supõe o sacrifício dos desejos e caprichos da natureza instintiva e passional, em objetivo de uma finalidade de transcender, de certa maneira, e sobrepõe-se ao egoísmo pessoal.

O cultivo de qualquer ideal supõe sacrifício.

Mas aqui vou referir-me somente ao que especificamente se chama iniciação, como disciplina para uma superação espiritual, é dizer, a iniciação religiosa.

Desde os tempos mais antigos conhecidos pela história e as lendas, toda doutrina de filosofia religiosa surge acompanhada de um código de preceitos morais e de uma disciplina destinada a realizar o aperfeiçoamento espiritual do homem. O objetivo final desta disciplina sempre foi a consecução da virtude, ou seja, do domínio da natureza inferior ou instintiva pela natureza superior ou espiritual; o qual supõe a realização do divino no humano, ou dito de outro modo, a transmutação da consciência humana em consciência divina, ou o que é o mesmo: a "união com Deus", yoga, yugum, epifania, apoteosis, nirvana, glorificação, ou como queira chamar segundo o credo que professe.

Para alcançar esta finalidade (pouco entendida na curta vida física para a maior parte das pessoas), as disciplinas religiosas estabeleceram, fundamental e invariavelmente, três etapas, cuja denominação e conceito são os seguintes:

1) Etapa preparatória. Pela qual se consegue a purificação dos veículos da personalidade, por meio dos quais a alma se manifesta na vida física. Isto é, purificação do corpo, domínio dos instintos, desejos e paixões, e depuração mental pelo cultivo de pensamentos positivos, construtivos e eficientes.

2) Etapa doutrinal. Na qual se estudam as doutrinas metafísicas, teológicas, cosmogônicas, antropológicas e psicológicas, prévia a técnica do manejo da inteligência em ordem ao conhecimento, dominando as diversas operações de atenção, observação, concentração, meditação, abstração e contemplação, necessárias para formar conceitos sólidos do Universo e do Homem.

3) Etapa de realização espiritual. Na qual o pensamento, sentimento e vontade do homem se unificam com a ordenação e finalidade do Universo, convertendo aquele conscientemente em um instrumento dos desígnios superiores. Ou dito em términos religiosos; o homem se convertendo em um canal da Sabedoria e da Vontade divinas.

A etapa preparatória constitui melhor uma eliminação de obstáculos no caminho.

A etapa doutrinal supõe o esforço positivo ascendente.

A etapa de realização é a consecução da experiência mística.

Estas etapas receberam seus nomes peculiares nos distintos sistemas religiosos ou de filosofia espiritualista.

Assim explica a seguinte relação:

A religião brahmânia os chama de yama, dhyana e samadi (meditação e êxtase, que outras escolas hindus denominam pramudita, abhimukhi e tathagata, que equivalem à purificação, iluminação e salvação).

O sistema yogui de Pantajali denominava Hatha-Yoga, Raja-Yoga e Jnana-Yoga.

Nas antigas iniciações egípcias constitui as etapas das provas, a instrução e a transfiguração.

A antiga religião grega conhecia-as pelos nomes de Catarsis, Gnosis e Apoteosis.

Os pitagóricos chamavam-nas Acusticoi (ouvintes), Matematicoi (científicos) e teleiotes (perfeitos).

Platão idealizou em Beleza, Verdade e Bem.

O Sufismo persa chamou de Caminho, Verdade e Vida.

O Buddhismo denominou Kamaloka, Devakan e Nirvana.

O Cristianismo nos fala das etapas Purgativa, Iluminativa e Unitiva.

Os Rosacruz denominam Purificação, Iluminação e Iniciação.

A Maçonaria apresenta três graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre.

Etc...

No fundo não há outra coisa senão a determinação lógica dos trÊs graus pelos quais passam a alma humana em progressão.

Esta classificação não é absolutamente rígida e cristalizada, posto que alguns sistemas subdividem algumas das etapas; tal como acontece no grau final dos pitagóricos que ainda considerava uma Epifania como supremo grau da perfeição. E as iniciações brahmânicas, além dos graus e términos citados, consideravam por outras escolas as cinco etapas de Sotapana, Sakadagami, Anagami, Arhat e Asekka.

Por trás destes graus simbólicos se esconde a perfeição espiritual paulatina que supõe a iniciação real.O qual nos obriga a afirmar que qualquer grau simbólico carece de valor se não se preenche do conteúdo da perfeição e reta conduta que o grau supõe.

Os antigos egípcios obrigavam o candidato que ia iniciar a passar pelas quatro provas preliminares da terra, água, fogo e ar, mas não sem advertir que o poço não tão escuro quanto o da ignorância, nem a água tão fria como a dúvida, nem o fogo tão ardente como as paixões, nem o ar tão impetuoso como o impulso de nossos desejos. As verdadeiras provas referem-se ao domínio de nossa própria natureza, e faziam sua contraparte nas situações externas pelas quais se fazia passar o candidato.

Primeira etapa. Purificação pessoal e formação moral.

COmpreende a purificação do corpo, dos sentimentos e do pensamento, assim como seu reto emprego nas relações humanas. Tudo simbolizado nas três cruzes que faz o cristão, na testa, na boca e no peito, para que Deus nos livre dos maus pensamentos, das más palavras e das más obras.

a) Purificação do corpo.

Para que nosso organismo ou veículo físico seja um instrumento obediente aos ditados da nossa natureza espiritual, é necessário manter são e puro, o qual se logra com uma higiene natural.

Um organismo impuro ou recarregado de matérias tóxicas e graxas não pode ser canal nem intérprete das finas matizes do espírito. "Em um corpo grosso enfraquece a alma", disse Pitagoras; e também, rememorando os ensinos deste filósofo, dito por outros mais modernos que "toda reforma moral deve começar pela reforma da alimentação".

Vegetarianismo.

A qualidade do alimento humano é a base principal da constituição dos humores e dos tecidos. Daqui que o regime vegetariano e o jejum sejam os fatores fundamentais da purificação física, recomendados por todos homens autenticamente religiosos.

Ao referirmos ao vegetarianismo como regime de pureza orgânica, não somente damos por a supressão do alimento cadavérico (carne e pescados), senão também a supressão de todo excitante (álcool, tabaco, drogas tóxicas, extratos opoterápicos, etc) que possam produzir vibrações anormais ou estados congestivos dos órgãos nobres (cérebro, fígado, coração, glândulas sexuais, etc) que irritam, esclerose e desconcertam suas funções e impedem o domínio pessoal.

Ademais das vantagens sanitárias e depurativas que tem um regime de higiene natural e de alimentação vegetariana, tem também a valiosíssima condição de permitir o cumprimento dessa primeira lei da ciência oculta que é não matar. A vida inocente do que renuncia, direta ou indiretamente, a produzir vítimas para sua manutenção, é o passo mais belo no caminho espiritual. Assim sentiram e expressaram os grandes gênios da vida mística.

Dizia São Clemente de Alexandria em sua obra Paidagogos: Por acaso não há dentro de uma frugal simplicidade, uma grande variedade de alimentos saudáveis, como verduras, bulbos, raízes, frutos, saladas, cereais e outros produtos alimentícios?". "Entre os alimentos convém dar preferência para aqueles que podem comer no estado natural, sem recorrer ao fogo". "O apóstolo Mateus viva de grãos, frutas de casca dura e verduras, com exclusão da carne. E o apóstolo João nutriu-se apenas de gemas, folhas e bulbos". "A alimentação com carne paralisa as faculdades espirituais. Os gnósticos se abstiveram destes alimentos a fim de evitar que seu corpo se inclinara a concupiscência".

São João Crisóstomo se expressa assim: "Ao comer alimentos da carne seguimos a coluna dos lobos e adotamos hábitos dos tigres; ou melhor, somos ainda pior que eles....". "Quanto mais exuberante e corpulento seja o corpo, tanto mais débil e macilenta a alma; quanto mais se preza aquele, mais se sepulta esta" (Homilias, 69, 13 e 14).

Nos diz também São Basílio, o Grande: "A carne destrói a vida arrastando o corpo à perdição. O corpo agravado com alimentos cárneos é infectado por enfermidades". "As fermentações desses abomináveis alimentos obscurecem a luz do espírito". "sejam os manjares cárneos da índole que sejam, sempre e em todos os casos engendram movimentos impuros; a alma, por dizer assim, se faz asfixiada baixo o peso do alimento, perdendo seu predomínio e sua faculdade de pensar. No Paraíso Terrental não houve vinho nem matança de animais, nem alimentos cárneos". "Em tanto que se viva racional e frugalmente, a felicidade dos feitos irá em aumento: Os animais se farão seguros na possessão da vida; já não se verterá sangue algum, nem se matará nenhum animal. Não precisará o cozinheiro da faca, a mesa estará coberta unicamente do fruto que brinda a Natureza, e isso bastará para satisfazer todos...". "Se sente afeição ao alimento cárneo e receba teu corpo, logrará que o espírito seja torpe e pesado; a graxa que criará a carne debilitará as forças do espírito. Dificilmente pode amar-se a virtude se encontra-se deleitação em manjares cárneos".

Lactancio, o mais dogmáticos dos escritores católicos, nos disse terminantemente que "Não cabe estabelecer exceções ao mandamento divino "Não matarás".

São Jerônimo disse também: "Se nos foi posto entre os dentros os nervos e o suco fétido da carne, da mesma maneira como foram arrojadas codornices aos pés do povo murmurador no deserto" (Romanos, 14 e 21).

São Pedro, segundo nos conta o capítulo 11, versículos 7 e 8, dos "Feitos dos Apóstolos", ouviu uma voz que dizia: "Levanta, Pedro, mata e comer", ao que respondeu: "Senhor, não; porque nenhuma coisa comum ou imunda entrou jamais em minha boca".

Sabido é também que Buddha e Pitágoras recusavam a carne, como tantos outro homens eminentes e instituições religiosas, cujas múltiplas citações podem ver na Lição XXXI do meu Curso de Medicina Natural em 50 lições.

Higiene Natural (Naturismo).

Às excelências da alimentação vegetariana, adaptada ao tipo, temperamento, estado de saúde, clima e profissão de cada pessoa, se somam todas aquelas vantagens da aproximação à Natureza, com a subsequente vitalização e entonação do organismo conseguintes aos adequados contatos com os agentes naturais: sol, água, terra e ar puro, únicos tônicos autênticos do organismo, por ser as energias e materiais originários no seio dos quais se formou este.

Mas, ademais, devemos signalar o beneficioso efeito que para a vida espiritual acarreta o afastamento dos grandes centros urbanos e a vida na Natureza dentro do tranquilo ritmo do reino vegetal.

b) Purificação dos sentimentos.

Devemos incluir entre os sentimentos todas as manifestações da alma animal, como os desejos, instintos e paixões.

Todos estes impulsos tem sua raiz nos apetites do corpo físico que ao incorporar-se ou tomar forma em nossa psique, fazem-nos como desejos e instintos. Estes podem todavia intensificar-se e subjugar a vontade, convertendo-se em paixões ou em vícios.

É essencial para trilhar o caminho iniciático, o domínio, não a anulação (como erroneamente se disse várias vezes) dos desejos e das paixões.

"As paixões - disse Santo Tomás - foram postas em nossa natureza por Deus, com objeto de que exerçam sobre nossa vontade uma ação estimulante ou de reforço". "Quanto mais vivos são os afetos e as paixões, tanto mais enérgica é a obra da vontade".

São Bernardo agrega: "Posto que somos carnais e nascidos da concupiscência carnal, é necessário que os movimentos de nosso amor comecem da carne".

As paixões e os desejos constituem uma força que não nos é dado negar. São os incentivos de nossos atos. Há que dominar, colocando-os à serviço do superior. Jesus Cristo nos deu o exemplo desatando sua ira para tirar violentamente do templo os mercadores.

Os sete pecados capitais  são as grandes paixões do homem: as sete portas do inferno, os sete demônios aos que temos que vencer com a força de nossa natureza superior, como São Jorge matando o dragão. Constituem a hipérbole monstruosa de nossos apetites corporais e de nossos instintos vitais, que se amortiza com a prática do vegetarianismo e da higiene natural.

Mas entre as paixões, há as mais sutis e as mais pesadas, contras as quais não basta um regime de vida pura se não vai acompanhado de um esforço inteligente da vontade. Me refiro principalmente a vaidade, o orgulho, a intransigência e o espírito de luta, terríveis obstáculos no caminho da iniciação, que os antigos egípcios representavam por macacos previstos de redes com as quais caçavam as almas que, iludidas mas débeis, marchavam para a glorificação de Osiris. Estas paixões são contrárias ao sentimento de fraternidade que constitue o aspecto moral e sentimental da primeira etapa iniciática e o conteúdo do grau de "companheiro" de certas iniciações simbólicas.

Vaidade, como seu nome indica, é a qualidade de tudo que está vazio de conteúdo. É representação sem fundo. A vaidade dos cargos, dos postos e dos graus, é defeito moral muito estendido entre os homens, e particularmente perigoso em toda agrupação religiosa ou espiritualista, de onde todo continente sem conteúdo é a negação mesma da finalidade que se pretende. E isto deve-se a própria superestimação que nos faz supor que nossas ideias e ações podem ser um exemplo para os demais, esquecendo a humildade virtude como nenhuma outra no caminho iniciático, que nos impele a servir sem pedir e que desdenhamos geralmente, por esse pernicioso personalismo que nos arrasta a ser mais "cabeça de rato que rabo de leão". Por isso dizia tristemente Jesus: "Muitos são os chamados, poucos são os eleitos". Um grande "companheiro" sem sentimento de fraternidade ou um grau de "mestre" sem haver ensinado nada a ninguém, são "vaidade de vaidades".

O orgulho é uma enfermidade da alma que impede a consciência espiritual. Acreditar ser superior e cultivar um sentimento de altivez e desprezo aos demais supõe carecer da necessária inteligência para trilhar o caminho. Todos somos superiores a unos e inferiores a outros, no que nosso grande evolutivo se refere; mas todos somos iguais em essência, pelo qual nossa aparente superioridade sobre outros mais humildes é somente uma questão contingente ou circunstancial. À que ser orgulhoso? Dizia Pitágoras, com sua proverbial sabedoria: "Não creia ser mais sábio que outro, pois provarás que é menos". "É melhor ser último entre águias que primeiro entre gralhas".

"Seja homem inteiramente antes de semideus".

A intransigência emana de uma espécie de orgulho intelectual pelo qual um se supõe possuir a verdade enquanto considera equivocados os demais. Isso tem sua causa em uma posição dogmática que impede reconhecer a parte da verdade que cabe a inteligência das demais pessoas. O dogmático, como o realista ingênuo, ignorar que o conhecimento é uma relação entre o sujeito e o objeto, e crê que as coisas são como ele vê, pelo que estima, subjetivamente, que sua verdade é a única verdadeira, se é que não tem a pretensão de estar em possessão da Verdade absoluta. O dogmatismo fechado é uma verdadeira desdita intelectual para o candidato à iniciação, porque lhe impede ampliar horizontes mentais e com eles acercar-se da Verdade divina que, compreende todas as verdades humanas e ainda mais que todas elas juntas.

O espírito de luta é outra variante do orgulho, filho, como este, da soberba. Queremos lutar para imponer-mos e dominar nossos semelhantes.

Isso, quando não se deve a uma intenção egoísta, deve a nossa vaidosa pretensão de acreditar-mos possuir a razão e capacitados para ditar nossas soluções à força. O espírito de luta emana sempre de um déficit de compreensão que ignora as vantagens de determinar soluções com a opinião de todos. Mas na maior parte dos casos se deve a não haver encontrado paz na própria alma, por uma discordância entre o que se pensa e o que se sente, entre a cabeça e o coração. Os desejos insatisfeitos e as paixões desbordadas por falta de meditação sobre suas consequências; os erros da inteligência por falta de discernimento, são causa de luta interior que se traduz em luta contra nossos semelhantes e que não tem outro remédio mais que a meditação suficiente.

O domínio de nossas paixões, nossos instintos e nossos desejos, supõe, naturalmente, esse chamado "combate ascético" no qual nossa natureza espiritual trata de impor a nossa natureza instintiva. Mas seria erro tratar de lograr isso somente por esforços da vontade que, posteriormente pode enfraquecer - e de fato fraqueja muitas vezes - permitindo o despertar ainda mais monstruoso de uma paixão a que se supunha dormida e totalmente dominada. Nada positivo e fundamental lograremos neste sentido se não for acompanhado da transformação interna de nossa alma pela meditação, que por si consiste o verdadeiro ocultismo.

c) Purificação do pensamento.

A regra máxima de purificação mental, verdadeiro específico contra erros e intransigÊncias, é o Silêncio.

O silêncio limpa a alma e induz o sentido da verdade. Nada pode lograr tanta tranquilidade espiritual como o permanecer calado e rodeado de silêncio.

"Se pergunta: o que é o silêncio:", responde: "A primeira pedra do templo da sabedoria". Esta sentença pitagórica explica porque o Mestre de Samos obrigava o iniciado a permanecer largos meses sem falar até que tivesse adquirido o sentido da verdade, e nos explica também porque os discípulos do "primeiro grau" se chamavam "acusticoi", é dizer, ouvintes.

Uma inscrição de um tempo indostânico, encabeçada por trÊs figuras de macacos, um tapa os ouvidos, outro os olhos e outro a boca, lendo-se: "Não ouça, não veja, não diga o mal". É a síntese do sábio ensinamento oculto de não cultivar maus pensamentos nem propagar. É o inestimável conselho  de acostumar-se a "ver o lado bom de todas as coisas".

A prática deste conselho, juntamente com a prática do "silêncio", é a melhor maneira de evitar essa autêntica "intoxicação" de nossa mente produzida por complexos, erros e preconceitos. Pode ser discutido que o feito de ver "a parte boa" das coisas, que tem também sua parte má, não é uma posição "realista" e pode conduzir a erro de apreciação. Mas não se trata de cerrar as faculdades de nossa mente a apreciação do lado mau das coisas, senão de colocar "mais adiante do bem e do mal" vendo em todo feito do mundo a realização (agrade ou não) dos desígnios superiores, muitas vezes incompreensíveis para nossa razão, mas cuja aceitação como bons em sua finalidade é a atitude subjetiva que trata de buscar com este conselho. E esta atitude de captação do bem transcendente, por cima de nosso sentir pessoal, é o que nos obriga, no caminho iniciático, a não considerar e propagar o lado imediamentante mau, deprimente ou destrutivo por meio de pensamentos negativos. Trata-se, em uma palavra, de não cultivar atitudes pessimistas que conduzem a iniciação, senão de alentar o espírito de colaboração com a ordem universal.

Os complexos mentais são mecanismos psicológicos de reação defensiva sistematizada. Se despertam no cotidiano das circunstÂncias adversas da vida e ante o esforço de engrenar nossos desejos e pensamentos como os defeitos (reais ou supostos) das pessoas que nos rodeiam. Por exemplo: um complexo de inferioridade pode nascer como consequÊncia da convivÊncia com uma pessoa vaidosa ou orgulhosa. Os complexos podem ser base de uma psicose, e sua melhor medicina se faz no isolamento e o silêncio.

Os erros são a inadequação de nossos pensamentos com o objetivo do conhecimento. O silêncio e o isolamento, que colocam a "mente em branco", predispõe a uma serena e imparcial meditação que nos tire do erro.

Os preconceitos/prejuízos são "conceitos/juízos prévios"; elaborados ou impostos sem experiência própria e sem racionamento pessoal que ratifique a experiência e o juízo mesmo. São juízos de rotina e sem convicção própria. Como no caso do erro (posto que o prejuízo é um erro, subjetivamente considerado), somente a imparcial meditação das coisas, depois de haver limpado a mente com o silêncio e a solidão, pode transmutar os prejuízos em autênticos "juízos" ou descartá-los como erros. Viver a base de prejuízos é tanto como aniquilar nosso verdadeiro "eu"; é viver com uma mentalidade prestada.

Nossos pensamentos (certeiros ou equivocados) vão quase sempre alentados pela força de nossos desejos ou nossos sentimentos; e essa força pode empregar-se sistematicamente em transmutar o errôneo em verdadeiro ou o inadequado inconveniente. Para isso, remeto ao estudante a lição 43, exercício 6 do Curso de Medicina Natural em 50 lições", onde se descreve o exercício de substituição mental.

O contato com a Natureza, longe do artificialismo convencional das grandes urbes, com a conseguinte melhor apreciação da ordem universal, predispõe nossa mente para a concepção de pensamentos positivos e construtivos; é dizer, de todas aquelas formas mentais que nos induzem a obrar de acordo com esta ordem, segundo o grau em que somos capazes de captar, e de acordo também com o respeito que esta ordem nos mereça, de sinceros espiritualistas.

Dentro dos inestimáveis benefícios que também nos procura a vida civilizada, quando se sabe apreciar seu "lado bom", se faz a boa influência de certos "ambientes" para o cultivo de elevados e retos pensamentos, como são os das bibliotecas, museus, templos, reuniões amistosas, concertos, sociedades idealistas, etc., que também em seu grau nos limpam a mente do positivismo e do materialismo grosseiro inerente ao feito simples de viver.

Atitudes cardeais na primeira etapa.

Todo até aqui exposto pudera ser pouco menos que inútil ou cair no vazio se não enforcarmos a atitude de nossa vida de uma maneira eficaz que complementa os esforços desta primeira etapa da iniciação.

A evitar um esforço baldio e a consolidar os progressos adquiridos tendem os seguintes conselhos:

1) "É preciso adiantar trÊs passos na perfeição moral, por cada um que se dê no progresso intelectual". Porque adiantar em conhecimento sem a garantia de que se vá usar retamente, é tanto como cair na "magia negra".

2) Temos que atuar na vida de acordo com as aptidões e vocações pessoais. Pois como dizia Goethe, "ao Eu há que chegar pela ação seguindo a vocação". Fazer na vida qualquer trabalho que não esteja de perfeito acordo com as vocações ou aptidões, estanca o desenvolvimento do próprio Eu e aparta, por conseguinte, do caminho espiritual. As vocações e as aptidões são potências que trazem nossa alma, como forças inatas e constituem a essência mesma de nosso ser.

3) Há que cultivar a atitude de serviço, não dedicando-se egoisticamente ao próprio e exclusivo desenvolvimento espiritual. "Os que querem salvar-se se perderão", disse Cristo. Muito mais conseguirá no caminho iniciático aquele que se esqueça de si mesmo para ocupar-se dos demais, que aquele que se ocupe exclusivamente de seu próprio progresso. Todo o qual não é senão uma condensação mais do egoísmo.

4) O iniciado há de viver uma vida simples e desprovida, portanto, de tudo que é supérfluo em propriedade e ocupação. É um belo símbolo que encerra está ideia, o símbolo do nascimento do Cristo no humilde estábulo de Belém: é dizer, a espiritualidade que somente nasce na simplicidade e humildade. Por isso Jesus disse tristemente a seus discípulos que "é mais difícil que entre um rico no reino dos céus que um camelo pelo olhos de uma agulha".

5) O homem que pretende trilhar o caminho, há de obrar na vida de acordo com o que pensa, pos como diz o conhecido refrão: "o melhor predicador é o exemplo". Carece de força dizer belas coisas e fazer más. O exemplo do que "se faz" é a força suprema que induz à os demais a imitar-nos; tanto mais se vá refreando por nossas próprias palavras que são verídicas. É notório que os filhos acabam imitando o que viram fazer seus pais; não sempre o que ouviram.

Essa primeira etapa de purificação pessoal e formação moral realiza o que simbolicamente se chama "o nascimento do Cristo interno", que equivale na iniciação brahmânica à etapa de Sotapana ou dvija (duas vezes nascido). O iniciado é como uma criança do mundo espiritual, fazendo boa a frase de Jesus quando disse: "Tens que tornar-se criança para entrar no Reino dos Céus"; que também expressou em outra forma quando disse a Nicodemos: "Em verdade, em verdade te digo que para entrar no Reino dos Céus há que voltar a nascer". Na iniciação budhista se chamava Vimala.

SEGUNDA ETAPA. Domínio das operações mentais e instrução doutrinal.

Compreende a técnica relativa às faculdades da inteligência, com objetivo de chegar ao conhecimento e a possessão da verdade por elaboração própria e por própria experiência interna; como também o estudo de uma doutrina filosófica que explica as grandes interrogantes do Universo e do Homem.

Sobre as operações da inteligência tratei com certa extensão em minha citada obra "Problemas religiosos e História comparada das Religiões", no capítulo 1, sobre "Teoria do conhecimento".

Se infere do dito que, sem uma boa observação dos objetos e uma poderosa concentração de nossa consciência no ser ou coisa (físico ou metafísico) que sejamos conhecer, não há possibilidade de chegar à meditação, nem por conseguinte ao conhecimento.

"Toda técnica nasce do espírito" disse clarividentemente o grande músico Franz Liszt. Por isso, o fundamento de todo conhecimento estriba na vontade de conhecer. A intensa apetência por decifrar nos mesmos os enigmas da vida, nos proporcionará a melhor disposição para nosso progresso intelectual. Insistamos uma vez mais em que serve de pouco armazenar pensamentos alheios.

A técnica da concentração do pensamento se adquire somente com a prática; requer o hábito da atenção e do estudo para exercitar a faculdade. Aquele que não é capaz de lograr isso somente pode esperar o conhecimento pela via da intuição, mas isso não tem o valor universal que o raciocínio.

A concentração estriba em colocar e manter no foco da mente o objetivo do conhecimento. A meditação estriba em captar mentalmente todas e cada uma das facetas lógicas em que nos pode dar um objetivo. Com isso chegamos a realizar nossa representação consciente que, sendo concreta chamamos pensamento e sendo abstrata chamamos ideia.

Adiantamos a dizer que a abstração é o fundamento de todo conhecimento filosófico e que somente no campo do abstrato se pode falar a "verdade". A abstração é a etapa final do conhecimento racional ou discursivo e consiste em uma generalização que permite a máxima certeza, e por meio do qual se elabora a representação genérica que chamamos "conceito".

Por exemplo; nós dizemos: "o som ilumina"; e aqui uma verdade concreta que como tal é muito relativa; porque, efetivamente, se nos metemos em uma caverna, o sol não ilumina e tão pouco ilumina para os habitantes que estão nesse momento no outro hemisfério do planeta. Se generalizamos um pouco mais e dizemos: "o sol emite raios luminosos", então esta verdade se faz mais universal posto que resulta certa para os que estão na caverna e para os que estão na noite, ainda que eles não recebam a luz. Mas também esta verdade é relativa posto que o sol não somente emite radiações luminosas, senão também caloríficas, etc. Podemos ainda generalizar mais dizendo simplesmente: "o sol emite raios"; e neste caso nos colocamos mais próximos de uma verdade universalmente aceitável, mas todavia relativa posto que o sol não somente emite radiações senão também emanações substanciais do éter. Se damos um novo passo na abstração chegaremos a dizer: "o sol emite", com o qual chegamos a uma verdade que é aceitável para "todos" os casos concretos a que temos referido. Quanto mais abstrato o pensamento mais verdade encerra. E se isso ocorre nas verdade empíricas, calcula-se a importÂncia deste feito no conhecimento de objetivos metafísicos ou ideais, como Deus, alma, Criação, etc., que não pode ser objetivos de experiência e em muitos casos tão pouco de dedução racional.

Por esse motivo, ao primeiro período da segunda etapa da iniciação se chamou "período de abstração".

a) Período de abstração.

Há certas operações da inteligência como a contemplação, adoração e inspiração, que não pertencem a categoria do conhecimento racional, senão do intuitivo.

A intuição, que quer dizer "conhecer vendo", é uma forma de conhecimento direto, suprarracional ou irracional, que supõe a assimilação de uma verdade, geralmente por via de sentimento ou de vontade.

A contemplação é o conhecimento por via do sentimento, como ocorre na intuição estética e na ética. Um quadro, uma paisagem ou um concerto musical "se sentem" mas não se racionalizam. A análise destrói a contemplação. O sentimento de caridade que se desperta ante a contemplação da dor alheia, se anula com a razão da justiça divina que levou a tais misérias.

A adoração é conhecimento conseguido por amor. A isso se alude Platão: "Não há gnosis sem eros", que logo repetiu São Agostinho, dizendo: "Não há conhecimento sem caridade". Em pureza de verdade, não há conhecimento certo de uma coisa enquanto não se "sinta" ou se "ame"; o qual já foi explicado em citada obra.

A inspiração é uma forma de conhecimento intuitivo com capacidade "criadora", que devemos considerar como último pedaço da inteligência humana, própria do gênio.

Mas essa etapa intelectual da iniciação que temos caracterizado pelo hábito da abstração, não se limita ao campo da inteligência, senão que tem suas imediatas consequências nos outros aspectos da personalidade como são a vida moral e a vida sentimental, já que tudo em nosso ser humano vai intimamente relacionado.

No moral, o iniciado nesta etapa, deve realizar uma sorte de "abstração" de suas relações com os demais seres, "generalizando" o sentimento de fraternidade aos demais homens e animais. Como disse o Mestre Jesus, não tem nenhum mérito que amemos nosso irmãos, senão que temos de amar ainda nossos próprios inimigos. Há que sacar o coração do recinto da família e dos amigos para levar-lo até os estranhos. Há que cultivar para isso o sentimento de simpatia como atitude positiva de nossa moral. E disso há de participar os animais, fazendo boa a frase de Salomão: "O justo ama a vida de sua besta".

No puramente sentimental temos de transcender o "devocionismo" pelo qual o sentimento se afere a determinada fórmula, ídolo ou persona, sendo "devotos" sem ser "devocionais"; é dizer que, guardando um íntimo respeito a tudo o que é elevado, bom, sublime ou reto sem fazer diferenças de matizes ideológicas, nem muito menos desprezos ao que discrepa de nossa maneira de ver. O iniciado há de compreender que os rituais e cerimônias de cada religião não tem maior importância que a de ser um meio de canalizar as forças espirituais, mas que eles, por si só não criam espiritualidade, como o canal não cria a água que conduz. a espiritualidade é somente fruto das virtudes levadas à prática. E o cerimonial ou o ato de devoção sem a conduta reta são enganos do coração.

No aspecto mental, e como consequência de tudo exposto, há de transcender o estudo dos fenômenos e mecanismos (ciência positiva) para chegar ao estudo das causas e princípios (metafísica). E a dizer que deve "transcender-se" não quero dizer que deva iludir-se, por aquilo que "antes de conhecer o invisível devemos abrir nossos olhos ao visível", para não perdermos em elucubrações da fantasia. O estudo da "filosofia" e com ele o cultivo da razão em abstrato, acabará por formar em nossa consciÊncia os mais sólidos e elevados conceitos.

Este período de abstração que denomino assim de uma maneira filosófica corresponde conceitualmente ao grau de "batismo" e "sakadagami", respectivamente, no cristianismo e brahmanismo. Na iniciação budhista denominava-se duramgama (dificil de marchar) em que o pensamento se livra do particular.

b) Período de intuição.

Como já dissemos, a "intuição" é um conhecimento direto suprarracional, de um valor subjetivo, mas que geralmente, e sobre tudo em objetivos metafísicos, conduz ao grau de convicção o qual não chega o conhecimento racional. Ninguém se deixou matar por uma teoria filosófica, mas muitos mártires pereceram por sua fé em Deus. A fé não é mais que uma intuição dos "valores" divinos.

As operações intuitivas, já mencionadas, da contemplação, a adoração e a inspiração, tem como última finalidade proporcionar uma convicção ou seja a consciência da captação da verdade.

No aspecto intelectual, o cultivo das operações intuitivas pode levar a estados psíquicos que transcendam os mecanismos correntes da inteligência, como são o êxtase, o dom profético, a revelação, a clarividência, a graça divina, a visão beatificada, etc., incluídos nos conceitos de "paragnosia" ou "metagnosia" (conhecimento paranormal e também chamado "sobrenatural").

No aspecto moral, o estado de consciência a que se chega nesta etapa supõe a renunciação ou humildade na dita e a resignação na dor. A renunciação estriba em saber resistir os chamados das tentações quando a fortuna e o bem estar nos favorecem; por conseguinte desenvolve-se o espírito de "sacrifício consciente" o qual revela a perene consciência do dever. A verdadeira pedra de toque que nos evidencia haver chegado neste estado de consciência está em não perder a alegria nem a calma quando o bem estar ou a fortuna fujam de nosso lado; é dizer, a resignação na dor, que é tanto como não cair em imposição, vaidade ou desespero.

No aspecto sentimental, há que desligar-se do egoísmo do amor familiar, que, em muitos casos não é realmente "amor", senão um sentimento de simpatia enraizado no instinto de possessão. Se analisarmos sincera e imparcialmente o sentimento que nos liga às pessoas da família, veremos em quantas ocasiões este sentimento está baseado no agrado e na conveniência de que nos sirvam, nos ajudem, nos escutem quando temos ganas de falar, nos suportem nosso mau humor ou nos contem algo quando não temos nada importante em que pensar.

Disse em outro lugar ("Problemas Religiosos...", Cap. IX. La Justicia humana y la justicia divina) que a família é a fórmula de bem administrar os instintos, mas a verdadeira espiritualidade estriba em superar os instintos mesmos. E esse problema convém plantar nesta etapa, para que o sentimento para com a família se converta em verdadeiro "amor" e por conseguinte em uma atitude "completamente desinteressada". E isso será o princípio do amor aos demais seres, para o qual, evidentemente, não basta cultivar um sentimento de simpatia, senão que há que calar mais fundo, recorrendo, se necessário, a buscar pelo caminho do "dever" e da "justiça", que ao fim são "atitudes inteligentes" do amor e chamam à "afeição algoz do amor humano", verdadeiro obstáculo no caminho.

Também há que plantear outro importante problema, como é o do domínio dos sentidos e das paixões.

Algo temos adiantado neste ponto ao tratar, em etapa preparatória, da purificação do corpo e dos sentimentos; e há que supor que o candidato à iniciação se esforçou por encauzar seus apetites e desejos dentro das normas de pureza já descritas. Mas, como pode supor-se, não basta haver mudado alimentação ou atenuado os estalidos das paixões; senão que é necessário dominar as apetências gratificadas dos sentidos (sensualidade) e o próprio sentimento (não já só o ato) da paixão ou do desejo. Ou seja, as "tentações".

Há que chegar a perder a capacidade "de ser tentado", ainda que já seja por si um mérito o resistir às tentações.

Em efeito: qualquer de nós pode haver mudado sua alimentácio cárnea e alcoólic por um estricto regime vegetariano (o qual já é bem vantajoso), mas ainda pode cultivar sua sensualidade gastronômica com as frutas saborosas, as verduras e os doces, sem haver dominado a gula. Há que chegar a não sentir a gula. Da mesma maneira, pode um dominar um movimento de agressão à outro que lhe causa injúria ou indignação (o qual é plausível), mas pode ainda vibrar seu sentimento de cólera que perturbar seu corpo e sua alma. Há que chegar a não sentir cólera.

Este domínio do sentimento (que supõe o domínio prévio dos atos conseguintes) somente pode lograr-se pela meditação de suas consequências objetivas e subjetivas.

Todo este trabalho interno que supõe esta etapa da iniciação, supõe também uma mudança de "estado de consciência", surgindo o espírito de "sacrifício consciente", ou seja a faculdade de "cumprir com o dever", goste ou não.

Vemos que o que na etapa anterior era um esforço segundo uma ideia, converteu-se nesta etapa em uma realização. É a etapa dos "feitos sem desejo", "Sadhumati" da iniciação Buddhista.

Este segundo período da segunda etapa da iniciação corresponde ao grau de "Anagami" (sem retorno, ou quer dizer que "não precisa reencarnar" segundo o critério da filosofia religiosa hindu, e o grau de "Transfiguração" das iniciações simbólicas brahmÂnicas e cristianas, respectivamente. Na iniciação biddhista era o grau de "Anupattica" ou "o que vê a realidade das coisas".

Atitudes cardenais da segunda etapa.

O progresso psíquico que supõe os esforços da disciplina iniciática e o domínio que, por outra parte, se vai conquistando sobre a natureza inferior, apresentam as vezes interferÊncias e conflitos que podem desviar completamente da verdadeira rota ao aspirante à perfeição.

Convém pois meditar sobre a significação e as consequências do desenvolvimento de poderes psíquicos, da mediunidade, da prática do hipnotismo e do ascetismo.

Os poderes psíquicos, "vibhutis" ou "carismas", não tÊm nenhuma utilidade para o desenvolvimento espiritual e as vezes são contraproducentes.

"Mohidin", o grande místico sufi da Espanha muçulmana do século XII disse explícitamente em seu "Fotuhat" que não devem apetecer nem buscar-se os carismas, senão receber-los sem alardes como um dom de Deus, que aparece por cada virtude que se conquista.

Essa mesma doutrina da mística muçulmana, passou à mística castelhana com São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus, a última das quais afirma que os "carismas" encerram graves perigos, confundindo o verdadeiro religioso e fazendo-o crer que são um sinal de autêntica espiritualidade, quando em realidade podem ser de consequências satânicas e devem superar-se com a prática das "virtudes maciças".

"Ramakrishna" rechaça também o cultivo dos poderes psíquicos, ilustrando seu critério com algumas instrutivas parábolas.

Na doutrina "yoga" de Patanjali, do ano 300 AC, se diz: "Os indivíduos que fazem alarde de certos poderes psíquicos não chegaram à yogues, senão que pararam em uma etapa parcial ou inferior" (porque a mente não é o Eu, senão um instrumento do Eu).

Está claro, pois, referendado pelos eminentes testemunhos citados, que os poderes psíquicos (clarividência, clariaudiência, visão extra retiniana, poder de levitação - de elevar-se ou elevar objetos, contra a lei da gravidade, sem ajuda mecânica -, absefalesia -colocar-se em contato com o fogo sem queimar-se -, etc.) encerram evidentes perigos se não se chegou à perfeição suficiente para seu reto emprego, e é preferível rechazar-los ou não cultivar. Daqui os graves inconvenientes que assinalaram nessa etapa de iniciação "yoga" chamada "pranayama", ou domínio das "forças vitais", na qual se recomendam certas formas de respiração para desperar certos "centros etéreos" e as correntes psicofísicas circulantes entre eles, que à alguns conduziu à psicopatias ou perturbações mentais que, em alguns casos (não sempre remediáveis) tive que tratar em minha clínica particular.

Igual temos que dizer da mediunidade ou faculdade de servir de instrumento à influências psíquicas estranhas. Não caminho mais reto e normal de influir na "psique" de outra pessoa que a persuasão. Qualquer outro caminho é uma verdadeira desfeita para o influido e pode ser uma maldição para o influente.

O médium cuja faculdade se explora nas sessões "espiritistas" é um "mentecapto" (ou captado pela mente) que abdica de sua divina faculdade de sentir e pensar por conta própria, para converter-se em uma máquina hipersensível de pensamentos e sentimentos alheios, venham por caminhos subconscientes ou transcendentes. Este hábito de escrever ou falar "ao ditado", pode anular o Eu ou estancar o progresso espiritual, quando não produzir psicopatias e depressões nervosas que levam à ruína da razão.

Mas por si não fosse pouco o prejuízo que a mediunidade acarreta ao próprio médium, ainda devo sinalar o que acarreta aos que dele se aproveitam, com evidente falta de consciência ou de caridade, que são gravíssimas escolhas no caminho iniciático. A falta de amor ou a falta de conhecimento supõe detenção segura no caminho de perfeição. O cultivo da mediunidade passiva jamais está justificado no terreno espiritual. Outra coisa é o prodigioso "carisma" de servir de canal conscientemente à uma influência espiritual superior, quando se chegou ao grau requerido para tal, Como Jesus quando, depois da transfiguração, serviu de instrumento à elevada presença do Cristo.

O hipnotismo ou feito de influir na "psique" de outra pessoa mediante o "sono hipnótico" ou estado de "transe", é igualmente recusável que a mediunidade, porque supõe a abdicação das faculdades psíquicas do hipnotizado. A subordinação deste à vontade e ao pensamento do hipnotizador, ás vezes de um modo permanente, ainda em estado de vigília, é evidente e perigosa. O hipnotizado é também um "mentecapto" ou "possesso" pela vontade alheia. E não cabe defender o hipnotismo argumentando que por meio dele podem curar-se certas psicopatias e certos vícios, porque a influência favorável que aparenta ter nestes casos termina quando morre o hipnotizador, o qual prova que não se trata de uma cura senão de uma "contenção". E é que toda cura ou correção, de qualquer ordem que seja, tem que ser feita "por vontade própria" do paciente, se pretende uma realização sólida, permanente e que não se oponha a evolução espiritual.

Não negamos as coisas assombrosas e aparentemente "sobrenaturais" que podem lograr-se com o hipnotismo e com o espiritismo, capazes de subjugar o ânimo de muitas pessoas que necessitam do "milagroso" para crer no mais além ou na existência da alma; mas devemos pensar desapaixonadamente que todos estes efeitos "paranormais" são uma de tantes manifestações da "maya" ou ilusão da vida fenomênica, que nos engana como todas aquelas coisas que vemos "com os olhos da cara", como contingentes, transitórias, mutantes e perecíveis, que nos atam ao mundo da forma e por conseguinte nos apartam da rota do ascenso ao mundo do eterno, ou seja do que não muda nem perece: mundo que há de conquistar transcendendo todo plano de manifestação.

O ascetismo, cuja denominação surge do término "askeos", meditar, não é, por conseguinte, a mortificação do corpo senão a reformar do mesmo pela meditação. O corpo deve manter-se forte para que seja digno instrumento de ter um espírito também forte. Recorda-se como o Buddha abandonou os ascetas, por acreditar que estivessem equivocados, para seguir o "caminho do meio" e entregar-se à meditação por meio da qual encontrou sua doutrina da salvação. Se com o "ascetismo mortificador" trata de lograr-se o fortalecimento da vontade, convenhamos que há muitas maneiras de fortalecer a vontade como são sacar adiante uma numerosa família, ou estudar uma carreira e exercer com êxito uma profissão. Se pode fazer um alarde de vontade muito mais útil para todos aprendendo a tocar o violoncelo ou aprendendo a falar quatro idiomas. A mortificação do corpo é contrária à lei natural e nada que vá contra as leis naturais está de acordo com a Vontade Divina, nem, portanto, é espiritual. Em troca, o autêntico "ascetismo" que é a meditação constante é a fórmula de transcender a ignorância, a dor e todas as calamidades humanas; em uma palavra: o caminho da salvação.

A ORAÇÃO

Vem aqui a ponto de considerar as vantagens da "oração" que é uma forma de meditação oral.

A palavra corretamente empregada e emitida com vontade (fervor) é de um poder realizador verdadeiramente extraordinário. Ademais toda palavra empregada em seu verdadeiro sentido "evoca", "invoca" ou "induz" a idéia ou espírito que lhe deu origem, criando ou reavivando uma determinada "forma mental" (ideia ou pensamento) que se converte em uma força protetora.

A eficácia da oração exige a atitude de humildade ou submissão. Uma pretendida oração em tom imperativo ou raivoso carece por completo de virtude. E isso deve-se a que a oração (invocação ao superior) se realiza segundo lei de hierarquia em que o inferior se subordina ao superior. O contrário da pregação seria uma "maldição", coisa indubitável também tem sua força tem sua força se emprega-se a palavra adequada, mas que se estrela contra a férula protetora de uma invocação altruísta, pura e desinteressada.

A chave da oração estriba precisamente em seu caráter desinteressado, pois como já dito em outra parte, "nunca pode estar nos desígnios do superior, nem violentar uma lei de Deus, nem conceder algo que responda ao desejo egoísta da natureza inferior e não à ordem da finalidade da natureza superior".

Pensemos em que a eficácia da oração ou pregação estriba em colocar em ação potências da natureza espiritual. E para conseguir isso, nossa pessoa há de adotar uma atitude submissa aos "valores superiores" e consciente de que não se pode invocar a realização de um desejo que vai contra as leis naturais.

Fundamentada a oração sobre estas bases, somente falta buscar a fórmula de expressão, as frases adequadas; mas não para dizer rotineira e mecanicamente, senão meditando o que se diz, para despertar o pensamento ou o sentimento correspondente que é o que pode transformar-se em ato.

Fórmulas para orar há em todas as religiões do mundo, e o costume de empregar, indubitavelmente, dá fortaleza espiritual e retitude moral, ainda que o menos que pode lograr-se com elas é um íntimo consolo que não pode desdenhar-se.

O homem que ora encontra sempre uma resposta superior, e se ora improvisando a oração, levado de um sentimento fervoroso e veemente, então a resposta do alto pode ser decisiva e luminosa.

Assim pois a oração é um meio de caminhar com passos mais seguros pelo caminho iniciático; mas é estéril para este objetivo se o esforço e a conduta não acompanha.

TERCEIRA ETAPA. De realização espiritual.

É a consecução da finalidade iniciática, com a definitiva disposição da vontade à colaboração com a ordenação universal e como força governadora de todo o ser.

É a iluminação plena da alma pelos "valores divinos".

a) Período de volição.

A educação da vontade que se vem preparando durante as anteriores etapas iniciáticas, com os esforços conscientes do domínio pessoal, se traduz agora em uma plenitude volitiva que não é outra coisa senão o florescimento dos três grandes poderes ou "virtudes" chamados Fé, Esperança e Amor: Fé ou virtude de ação, Esperança ou virtude de intelecção, e Amor ou virtude de criação, como já foi explicado em minha citada obra Problemas Religiosos.

As virtudes (de "vir", poder) constituem a origem das intenções. Esas são as disposições ou direções fundamentais de nossos atos. As intenções (que são volições em potência) se convertem em volições (que são intenções em ação) e estas são o movimento de realização de nossos atos.

As intenções da vontade se modificam com a meditação e o conhecimento (daqui a necessidade da segunda etapa dedicada à educação mental). Ao modificar-se o estado de "consciência" se modifica também o estado de "senciência" (propriedade de sentir e querer) e com isso o intento.

A vontade dirigida pelas grandes virtudes da alma, governa efetivamente a todos os demais elementos e veículos do indivíduo.

No que respeita o corpo físico, a tirania dos apetites materiais foi trocado em hábitos de pureza e domínio de si.

No se que se refere ao plano emocional, os anseios vagos e os desejos desordenados se converteram em afeto e simpatia.

No que concerne às funções mentais, os prejuízos e os pensamentos concretos foram abstraídos em conceitos de elaboração intelectual.

O iniciado desta etapa, consciente de sua essência divina nas limitações da carne, se sente "crucificado" na matéria (O Logos está em forma de cruz no Universo, dizia Platão. E o homem também é pequeno universo, Microcosmo), e muitas vezes se cerne sobre ele esse estado de consciÊncia se chamou de "noite espiritual", no que o espírito (como o de "Cristo", na agonia da cruz) se encontra dolorido, escarnecido e só, muitas vezes torturado por essas "bebidas amargas" da traição, da negação e o abandono, como com tão vigorosos traços nos pinta São João da Cruz em "A noite escura da alma" e modernamente Annie Besant em sua "Noite espiritual", donde faz acertadas considerações sobre a ação das "Potências da Noite" que "com uma só de suas ráfagas parecem afugentar todos os tesouros espirituais que largos anos de prova e incessante trabalho lograram acumular"...

Mas, não deve abater-se o candidato, se por lei de seu destino se faz em semelhante transe. Há que morrer para depois ressuscitar.


Há que baixar ao "sepulcro" ou seja "descender aos infernos" (sepulcro e inferno se traduzem pela mesma palavra "shed" na Bíblia, salmo 49, vers. 14) como fizeram simbolicamente os grandes iniciados (Orfeo, Cristo, etc), que equivale a descender aos estados de consciência inferiores ou infernais, para "ressuscitar ao terceiro dia dos mortos" (segundo a simbólica frase das iniciações egípcias de sua prova final) e "ascender aos céus" em definitiva e apoteótica liberação.

Este conceito e não outro encerra a expressão cristão de "subir ao céu em carne" que é o mesmo conceito buddhista do "Upadhisesha" ou "nirvana alcançado neste mundo". Então a noite espiritual se "ressuscita" definitivamente na consciência divina.

Não é obrigado que a "noite espiritual" corresponda a esta etapa e pode apresentar-se antes. As modificações dos estados de consciência no caminho variam com o contexto especial de cada indivíduo e não há um recorrido estereotipado.

Ao chegar a tal grau de violação, o iniciado transcendeu seus desejos de vida em mundos de manifestação e toda inclinação à vaidade (atos sem fundo) e a auto-justiça. É difícil para o que não chegou neste grau, imaginar-se um estado de consciência que logrou anular todo pensamento ou todo ato que não leve uma finalidade deliberada e superior, e que ao mesmo tempo alcançou essa sublime despreocupação pela vida fenomênica deste mundo, onde o bem e o mal são pura ilusão.

Este primeiro período da terceira etapa também chamado "quarta iniciação" se corresponde com o grau de "Arhat" ou "Arhattva" (absorção no divino) da iniciação brahmânica-buddhista, e com a etapa de "crucificação" nos mistérios cristãos. Na iniciação buddhista identifica-se com o grau de "Abhimukhi" ("Volta ao") ou de iluminação divina.

b) Apoteose ou Grande Iniciação.

Se não fosse por chocar contra um prejuízo, poderia denominar-se este estado espiritual com a palavra "voluptuosidade" em seu originário e reto sentido de delíquio espiritual; no no sentindo adulterado que damos hoje, de deleite carnal ou sensual.

Consiste na realização espiritual plena, trás a qual se transcendeu o mal e a dor. Estado de perfeição ao que somente se chegaram na história humana os gênios ou Grandes Iniciados que deram aos homens as altas mensagens do espírito e as normas de convivência; tais como Hermes-Orfeo, Krishna, Moisés, Pitágoras, Buddha, Lao-Tseu, Jesus, São Francisco, Zoroastro e outros.

Todos estes homens que realizarão o divino no humano, que foram verdadeiras encarnações do Verbo divino, que já não tinham nada que aprender porque foram essencialmente omniscientes (já que, ainda que não conheceram determinadas verdades concretas ou relativas, conheciam a Grande Verdade, da qual aquelas são simples facetas) houveram conseguido a total sublimação de todas as faculdades humanas.

No aspecto consciente, a abstração da Unidade de todas as coisas; o que equivale à desaparição da "ilusão de separatividade", segundo aquela frase terminante e insistente dos Vedas, que nos diz "Ta twan asi": tu és isto. Lembre-se, todavia, a clara consciência do Plano Universal e o pensamento indeclinável de colaboração nele.

No aspecto senciente, o sentimento de Amor universal e a identificação com a Vontade cósmica ou divina.

Este estado de consciência leva consigo a perfeita serenidade (qualidade privativa dos espíritos luminosos) e a ausência de todo temor.

Os Grandes Iniciados mereceram também o qualitativo de "Mestres de Compaixão" porque renunciaram ao desfrute da "morada espiritual" para sacrificar-se pelos homens, fazer-se partícipes de suas dores e dar uma mensagem e um exemplo de liberação, elevando-se à vida que não tem fim.

Estes grandes renunciadores, geralmente sacrificados por aqueles que trataram de redimir, foram a personificação deste estado de espírito que foi chamado, no simbolismo filosófico-religioso, Brahma-Nirvanam, Samvriti, Paranirvana, Anupadhisesha, Apoteosis, Epifania e Glorificação; sendo Eles "Filhos de Deus" e "Salvadores" chamados genericamente "Nirmanakayas", "Mahatmas", "Tathagatas", "Buddhas", "Cristos" ou "Adeptos".

CONSIDERAÇÕES E CONSELHOS FINAIS

Terminado este programa de perfeição humana, no qual foi tratado de fazer uma exposição orgânica desse processo que chamamos Iniciação, resta pontualizar distintos aspectos de ordem prática que são úteis ao estudante ou iniciante da boa vontade.

O abrir a alma aos valores do espírito não está em nosso poder em um momento determinado; isso vem só pela iluminação interna quando, à mercÊ do esforço desinteressado de superação, se conseguiu determinado grau de "evolução anímica".

O sentimento de Deus ou do aspecto divino do próprio Eu (Cristo em nós) não se pode comunicar por ensino; é dizer, não se pode iniciar o outro. A intuição dos valores absolutos se desperta em nós somente por esforço pessoal ou pela "graça de Deus". Por isso disse Cristo: "Ainda que seja eu o que dá testemunho de Mim, meu testemunho é veraz"; frase que tem outras frases gêmeas na literatura religiosa como aquelas de "Não farás o caminho enquanto não te convertas no Caminho mesmo" (Luz en el Sendero), "Ninguém sabe o que é o Graal que não tenha conduzido pelo Graal mesmo" (Parsifal), "Eu não digo minha canção senão a quem comigo vá" (Romance do "Infante Arnaldos"); etc.

A ninguém convencem os argumentos para explicar a existência do Divino mais que aos já crentes. Tudo isso poderia levar ao convencimento de que nesta matéria de iniciação religiosa é inútil buscar um "mestre" fazendo boa a afirmação de Proclo de que "as almas grandes se iniciam a si mesmas". Mas isso não é assim de uma maneira geral; e neste, como em outros caminhos do conhecimento, a necessidade de uma técnica ou de uma ordem, assim como a utilidade da sábia experiência de outros, exige na maior parte dos casos, a direção de um "mestre", como com muito especiais condições nesta matéria.

O MESTRE E O DISCÍPULO

Na ordem espiritual, o Mestre não é um simples expositor de doutrina; ou dito de outro modo: o Mestre não realiza somente um trabalho docente. A característica do magistério espiritual estriba em que o ensino intelectual tem que ir necessariamente acompanhado da simpatia e do exemplo. Há que viver o que se predica, como já foi dito, e viver cordial e bondosamente.

Somente nesta atitude pode surgir o amor admirativo do discípulo, que é a condição sine qua non para que este capte intuitivamente o estado de consciência do Mestre. Ou dito em términos iniciáticos, para que viva em sua mesma "morada".

No caminho da iniciação, para reduzir a consciência dos valores divinos, tem mais eficácia a intuição subjetiva de uma ideia que sua explicação racional, e este exige um trago de sentimentos por simpatia penetrativa (como disse Grundler) entre o Mestre e o discípulo. O qual, por outra parte, se acrescenta quando o discípulo convive em plano de humildade e de serviço com o Mestre.

Desta maneira vê-se frequentemente que pessoas sem cultura mas cheias de qualidades morais (humildade, generosidade, boa vontade...) são capazes de compreender e de sentir conceitos que jamais haveriam chegado pelo caminho racional.

A pedagogia iniciática é essencialmente "educativa", "tira" do discípulo as qualidade e faculdades que moram em sua psique potencialmente. É um despertar espiritual que faz boa aquela frase de Platão de que "Aprender é recordar".

Os estados de consciência ou "modos abstratos" da mente, são, por ser conceituais, muito mais sólidos e verdadeiros que as representações concretas dos objetos. E a iniciação é a conquista progressiva de "estados de consciência" cada vez mais elevados e não o incremento da cultura intelectual ou erudição. O iniciado não há de ser um intelectual senão um inteligente. Ainda que a cultura nunca seja desdenhável e se muito desejável, sobre a firme base de uns poucos conceitos sólidos e verdadeiros.

Com o dito creio que pode compreender-se bem o sentido que devem ter os conceitos de Mestre e Discípulo na ordem espiritual.

Agora bem: O acatamento das ideias e a conduta de um Mestre, não equivale a uma adesão passiva e incondicional que implique a anulação das próprias faculdades de pensar e de sentir. Não; tudo que vai contra nossa razão e contra nosso sentimento, deve ser objetivo de interrogação e análise, por muito diretamente que proceda do Mestre. Repitamos que o Mestre é um educador, mas não um mero instrutor; e digamos também que, todo aporte de conhecimento que proceda do Mestre tem que transformar-se em vivência para que tenha eficácia espiritual no discípulo. Há que ungir as ideias com o calor do sentimento.

É por isso que a metafísica religiosa se expôs mais frequentemente em forma mitológica que filosófica. A fábula ou mito chega mais facilmente a consciência das pessoas que o racionamento lógico; e isso ocorre simplesmente porque o primeiro vai acompanhado do fator sentimental. Também a arte que desperta em nós "intuições estéticas", é um elemento de alto valor para a iniciação. Muitas coisas que não chega a nossa consciência pelo caminha da inteligência racional, sim chegam pelo caminho da "intuição estética". A sublimidade da emoção divina, que muitas vezes não pode conceber-se por simples descrição literária, pode lograr-se ouvindo música religiosa de Haydn, de Haendel, de Bach, de Beethoven ou de Wagner. A compreensão do que supõe o estado da alma "do enfermo", é mais fácil escutando os prelúdios dos atos 1 e 3 de "Sigfredo" de Wagner que lendo as descrições de Dante. Uma "madona" de Rafael dá mais ideia da virgindade ou "pureza do coração" que os mais eloquentes textos mariolátricos.

Enfim: os que sonhamos com uma humanidade melhor, e temos fé em que pode conseguir-se, sequer seja entrando pelos estreitos caminho e porta que conduzem à salvação, devemos pensar seriamente em tudo quanto fica exposto e tomar nosso báculo e começar paciente e fervorosamente o ascenso pelo caminho que conduz trilha acima.

Em San Salvador, 9 de Fevereiro de 1952.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Considerando a Hipótese de Descartabilidade Masculina"

escrito por  Maria Kouloglou Em sua análise “Mulheres e Genocídio em Ruanda”, o ex-político ruandês Aloysia Inyumba declarou que “o genocídio em Ruanda é uma tragédia de longo alcance que tem afetado particularmente as mulheres.  Elas agora compreendem 70% da população, já que o genocídio exterminou principalmente a população masculina ”. Em um  discurso de  1998  proferido antes de uma conferência sobre violência doméstica em El Salvador, a ex-senadora e secretária de Estado Hillary Clinton disse que “as mulheres sempre foram as principais vítimas da guerra.  As mulheres perdem seus maridos, seus pais e seus filhos em combate ”. Estas declarações são ilustrativas de uma tendência mais ampla de “descartabilidade masculina”. O que é a descartabilidade masculina? A “descartabilidade masculina” descreve a tendência de se preocupar menos com a segurança e o bem-estar dos homens do que das mulheres.  Esta noite parece surpreendente, dada...

A (in)segurança do TSE e a ligação das urnas SMARTMATIC e DIEBOLD .

As urnas da Smartmatic-Engetec não foram empregadas nas eleições das últimas décadas, esse é um engano popularizado na internet. Ao que consta no Diário Oficial da União do dia 23 do 12 de 2015, a PROCOMP-DIEBOLD foi ganhadora do processo licitatório , firmando contrato de 351 milhões de reais com o Estado Brasileiro através do TSE para o fornecimento de 150 mil urnas eletrônicas a serem construídas, incluindo aí o desenvolvimento do hardware e do software. Essa licitação foi feita enquanto a Lava Jato tomava impulso, no ano de 2015, e assinada pela então Diretora Geral do TSE Leda Marlene Bandeira, sob a então recente presidência do órgão por Dias Toffoli, visto aqui desviando do apontamento da entrevistadora Joice Hasselmann da utilização da empresa da Venezuelana , e aqui afirmando não ter dúvidas de que o sistema do TSE é mais seguro que as defesas da NASA e do Pentágono . Leda Marlene Bandeira, a então diretora do TSE, foi chefe de gabinete e secretária-geral do STF durante a pr...

Tradução: Robert Sapolsky, de Stanford, sobre a depressão nos EUA (palestra completa)

O professor de Stanford, Robert Sapolsky,  mergulha no aspecto biológico e psicológico da "doença mais prejudicial".  Abaixo está a transcrição completa. Vídeo do youtube: Robert Sapolsky - Neuroendocrinologista OK.  Existem todos os tipos de doenças interessantes e muitas delas são bastante exóticas.  Você tem  síndrome do homem elefante .  E você tem  Progeria  , que é uma doença onde você basicamente morre de velhice quando tem cerca de 10 anos de idade.  E então você tem canibais comendo cérebros e recebendo  doenças por  prions  .  E esses são muito empolgantes e são ótimos, e ótimos artigos sobre doenças e coisas assim. Oh não, ok, venha para a frente.  Há muito espaço aqui em cima.  Eu vejo mais alguns lugares aqui. Portanto, existem todos esses tipos de grandes feitos para doenças de filmes de TV lá fora.  Mas quando você quer chegar à carne básica e às batatas da miséria médica humana, n...